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ENTREVISTA: ANESTESIA E SEGURANÇA - PRESIDENTE DA SOCIEDADE DE ANESTESIOLOGIA DO ESTADO DE SÃO PAULO, SAESP, DESIRÉ CARLOS CALLEGARI

Presidente da Sociedade de Anestesiologia do Estado de São Paulo, SAESP, Desiré Carlos Callegari, fala dos avanços da especialidade em todo o mundo, dos problemas ainda enfrentados por médicos e pacientes no Brasil, dos mitos e tabus que cercam o procedimento.
Uma consulta prévia com o anestesiologista, a realização de exames pré-operatórios, a escolha correta do tipo de anestesia a ser empregada no paciente, além de um bom equipamento de anestesia com toda monitorização indicada, podem levar uma intercorrência relacionada à anestesia a um final feliz?
Sem dúvida, se os cuidados com todos os aspectos que envolvem a realização do ato anestésico-cirúrgico forem tomados e sendo o procedimento realizado em hospital ou clínica que disponha de todos os recursos, aliados a um profissional da especialidade bem preparado, uma intercorrência relacionada à anestesia pode ser revertida e ter um final feliz. Mas em certos casos esta intercorrência pode ser causa de uma complicação orgânica do paciente, que, a despeito de todo esforço e competência do médico anestesiologista, pode não ter um resultado desejável. Veja entrevista com Presidente da Sociedade de Anestesiologia do Estado de São Paulo, SAESP, Desiré Carlos Callegari.
Existe teste para evitar complicações na anestesia?
Não há como realizar teste para se ministrar um ato anestésico, pois o próprio teste com os medicamentos usados pelo anestesiologista poderia levar a complicações indesejáveis. Uma anamnese bem realizada pode detectar, na história do paciente, antecedentes que sinalizam prováveis complicações que podem ocorrer e aí sim poderemos evitar a administração de determinados fármacos ou adotarmos estratégias para a condução da anestesia.
Porque há pessoas que têm tanto medo de tomar anestesia?
Existe para o paciente o aspecto psicológico da perda da consciência e, por conseguinte, da sua autonomia; o aspecto de que sua vida estará depositada nas mãos de outra pessoa, além dos riscos que o procedimento anestésico-cirúrgico pode resultar. Daí a importância do ambulatório de anestesiologia, onde o paciente pode ser esclarecido em suas dúvidas e que certamente o deixará mais tranqüilo e confiante no procedimento que irá realizar.
Quais os principais mitos que precisam ser esclarecidos?
Atualmente, creio que não restam muitos ?mitos? com respeito à anestesia, uma vez que o conhecimento e a informação, principalmente através da internet, esclarecem grande parte da população. Um dos principais mitos era o desconhecimento de que o ato anestésico era realizado por um médico especialista, pós-graduado em residência médica. Muitos acreditavam que o procedimento era realizado por profissional não-médico.
Anestesia aplicada por profissional não qualificado; cirurgia fora do ambiente hospitalar; falta de equipamentos básicos no centro cirúrgico; falta de anestesiologista nos plantões. A legislação brasileira permite estas situações? Há quem burle a legislação? Como proteger o paciente destes riscos?
Basicamente, a regulação dos locais onde são realizados os procedimentos anestésicos-cirúrgicos é disciplinada por Portarias do Ministério da Saúde, da Anvisa e Resoluções da Secretaria da Saúde ? no estado de São Paulo. No tocante aos profissionais que atuam no setor são disciplinados por Resoluções e Pareceres do Conselho Federal de Medicina e dos Conselhos Regionais dos respectivos estados da federação. Já para a anestesia especificamente existe a Resolução CFM 1802 de 2006, que dispõe sobre a prática do ato anestésico. No tocante ao médico responsável técnico de hospital ou clínica, que é obrigatório para registro da instituição nos Conselhos, tanto o Código de Ética Médica como Resoluções dos Conselhos o responsabilizam por eventual falta de condições das instituições, bem como pela formação dos profissionais que nela atuam.
Qual a formação mínima aceitável para o médico anestesiologista e como ele deve se manter atualizado?
A formação do médico anestesiologista inclui a graduação em medicina e uma pós-graduação de três anos em residência médica reconhecida pelo Ministério de Educação e Cultura e/ou Sociedade Brasileira de Anestesiologia, sendo conferido ao profissional o título de especialista. A atualização é efetuada pelos programas de educação continuada realizados pelas sociedades de especialidades, no caso da anestesia pela Sociedade Brasileira de Anestesiologia, SBA, e no nosso estado pela Sociedade de Anestesiologia do Estado de São Paulo, SAESP, através de congressos, cursos e publicações.
Quais os eventos adversos mais comuns referentes à anestesia no Brasil e no mundo?
A epidemiologia dos eventos adversos no sistema de saúde, incluindo a anestesia, passou a ser mais conhecida a partirde 1980, quando estudos realizados em diferentes países desenvolvidos mostraram que5 a 10% dos pacientes internados em hospitais são vítimas desses eventos. Nos Estados Unidos, eles estãorelacionados à cerca de 40 a 90 mil mortes a cada ano. A divulgação desse númeroimpressionante culminou na elaboração, pelo Congresso Americano, de uma proposta dereestruturação de todo o sistema de saúde. Nessa proposta, formulada em 1999, aanestesiologia foi apontada como exemplo a ser seguido pelas outras especialidades médicas,pois foi a pioneira em estabelecer a segurança do paciente como prioridade. No Brasil a epidemiologia dos eventos adversos ainda é pouco conhecida. As conseqüências negativas do atendimento hospitalar são frequentemente abordadas de forma inadequada. De um lado o silêncio e a não valorização do evento, atribuindo-o ao acaso, e do outro a atribuição de culpa a um único profissional que não expressa a realidade. Enquanto isso, os problemas e deficiências do sistema, que são crônicos, não são abordados e portanto, são mantidas condições negativas que permitirão a ocorrência de novos eventos adversos. Essa cultura precisa ser mudada.
 
Há atitudes que levem a vislumbrar perspectiva de um quadro mais alvissareiro?
Embora não exista projeto estruturado de mudança do sistema de saúde brasileiro visando especificamente a melhora da qualidade e a redução de eventos adversos, muitas iniciativas positivas têm sido iniciadas. Podemos destacar a implementação de sistemas de fármaco, tecno e hemovigilância pela Anvisa, Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Também são importantes os sistemas de acreditação que avaliam estruturas e processos hospitalares, assim como o papel das instituições encarregadas de realizar a certificação dos profissionais da área da saúde. Mas faltam coordenação e recursos para que essas iniciativas funcionem melhor e façam parte de um projeto mais abrangente.
        
Como pode ser essa coordenação?
É possível uma ação casada de médicos, governo e instituições públicas para preparar um plano de diminuição desses eventos e é imprescindível que isso ocorra. Somente por meio dessa ação coordenada com vistas ao bem comum conseguiremos alcançar avanços realmente significativos.Para que isso ocorra a participação de associações de consumidores e representantes de pacientes é muito importante. Como exemplo na área da anestesiologia, a parceria entre a Sociedade de Anestesiologia e a Associação de Pacientes com Hipertemia Maligna foi fundamental para a aprovação, no Estado de São Paulo, da lei que obriga os hospitais a tornar disponível o Dantrolene, medicamento necessário para o tratamento dessa condição congênita que pode ser desencadeada pela exposição a anestésicos inalatórios. A melhora do Sistema de Saúde, nesse ponto, só foi possível graças ao esforço conjunto de pacientes e médicos.
 
Particularmente nessa questão, como estamos preparados para enfrentá-los em comparação a outros países?
 
Em outras partes do mundo já foram feitos esforços nesse sentido. Nos Estados Unidos, Canadá e em vários países da Europa, assim como na Austrália e Nova Zelândia. Eles já possuem estruturas e institutos que procuram monitorar e propor medidas para a redução da ocorrência de eventos adversos.Muitas dessas instituições são governamentais, como a britânica NICE, National Institute for Clinical Excellence, mas há também importantes organizações não governamentais, como o ISMP, Institutes for Healthcare Improvement, que iniciou nos Estados Unidos a campanha “100 K lives” com o objetivo de salvar cem mil vidas por meio de recomendações clínicas e melhora das práticas administrativas que permitam reduzir a incidência de eventos adversos e a favorecer a aplicação mais racional e eficaz de recursos.
 O que mudou nas últimas décadas e o que ainda deve mudar num futuro não muito distante?
Em termos de segurança a anestesiologia brasileira pode ser considerada boa em comparação com a praticada em países de ponta. A anestesiologia brasileira tem tradição de contínua preocupação com a segurança do paciente. A começar pela estrutura de formação de novos especialistas, com a organização e avaliação dos Centros de Ensino e Treinamento em todo o país, o compromisso com a educação continuada e atualmente com recertificação dos especialistas.A atuação da Comissão de Normas Técnicas e Segurança em Anestesia, CNTSA, também tem sido importante.Esse ano a SBA deve implementar o registro de parada cardíaca nos CET?s. Se todos participarem com seriedade e confiança desse esforço teremos pela primeira vez no Brasil um importante dado epidemiológico, necessário para direcionar com eficiência as iniciativas educacionais da SBA e das suas regionais como a SAESP. A resolução 1802 é a reafirmação dessa tradição que precisa do empenho de todos para sua vigência efetiva.
Como são (ou deveriam ser) as políticas públicas para redução destas adversidades?
 Deve haver uma rápida e profunda mudança na concepção do sistema de saúde. Representantes de diversas disciplinas, como a Psicologia Cognitiva, Análise de Sistemas, Ergonomia e Engenharia de Processos, têm de ajudar a aprofundar esse debate. É necessário um salto de qualidade, como o que foi dado pela aviação civil há mais de trinta anos.Nesse período houve aumento importante no número de vôos comerciais. Se a incidência de acidentes fosse atualmente a mesma do início da década de 60, haveria, nos Estados Unidos, a queda de um avião comercial a cada semana. Lá, menos de 10% dos hospitais já adotaram o sistema de prontuário e prescrição eletrônica que, acoplados aos resultados laboratoriais, geram recomendações às prescrições a serem feitas. Além disso, avanços na identificação antropométrica dos pacientes e a identificação de medicamentos por meio de códigos de barra ou chips eletrônicos poderão reduzir em mais de 50% a incidência de um dos eventos adversos mais prevalentes: o erro na administração de medicações. No entanto, qualquer avanço tecnológico só terá valor se o fator humano também for valorizado.Os profissionais precisam ter remuneração digna para desenvolver o trabalho adequadamente. E os pacientes que, em última análise, somos todos nós, precisam ter acesso a melhor educação e nível de informação para cobrar melhor aplicação do dinheiro público em serviços de saúde financiados pelos impostos e pelas altas mensalidades pagas as seguradoras privadas e aos planos de saúde. Nesse teatro, quando ocorre uma tragédia, todos os participantes - profissionais da área de saúde, pacientes, administradores hospitalares, órgãos governamentais, indústria farmacêutica e de equipamentos hospitalares ? são simultaneamente vítimas e co-responsáveis. Precisamos não só de melhorias pontuais e de equipamentos, mas de uma nova forma de visão e organização de todo esse sistema, que valorize a participação humana. Para progredir precisamos valorizar os eventos adversos como fonte de aprendizado a todos. É preciso procurar atribuir menos culpa a uma única pessoa e dar mais atenção ás condições do sistema, que precisam ser melhoradas para evitar o erro. Caso venha a acontecer, que as conseqüências sejam minimamente negativas.
Qual a contribuição da resolução CFM 1802 de 2006 para o ato anestésico e o que efetivamente mudou de lá para cá?
A resolução CFM 1802 de 2006 é a atualização da resolução 1363 de 1993, que por sua vez foi a materialização do esforço conjunto da SBA e do Conselho Federal de Medicina para introduzir no país o conceito de recomendações para a prática profissional mais segura. É muito importante, pois fornece as condições básicas para que os recursos possam ser solicitados e permitam uma prática profissional mais segura. Mas para isso ocorra também é necessário que pacientes, administradores hospitalares, seguradoras, governo e representantes da indústria farmacêutica e de equipamentos hospitalares estejam conscientes da importância da sua aplicação. A resolução 1802 introduz alguns avanços importantes, como a valorização da avaliação pré-anestésica realizada em consulta médica prévia à data da cirurgia, a recomendação do uso de capnografia para pacientes com via aérea artificial, ventilação mecânica ou expostos a anestésico halogenado, a monitorização da temperatura corpórea e a disponibilidade de máscara laríngea e equipamento para cricotireoidostomia como recurso para ser usado em pacientes com via aérea difícil.
Certas vezes, ouvimos na imprensa casos de óbito durante cirurgias. Invariavelmente, a suspeita inicial recai sobre a anestesia. Como o senhor defenderia a segurança do ato anestésico?
O desenvolvimento da Anestesiologia como atividade, decorre da interação e uso de fármacos pertencentes a grupos farmacológicos diversos, capazes de propiciar, com desejável segurança, a amnésia, a sedação, a analgesia, a anestesia, a inconsciência e, quando necessário, o relaxamento da musculatura esquelética. É conseqüência, também, de outros recursos, como equipamentos e materiais específicos utilizados no acesso das vias aéreas, na ventilação pulmonar, na realização de determinados tipos de bloqueios, na infusão de soluções hidratantes, sangue e derivados e nos procedimentos de monotorização. Assim, ficam favorecidos o conforto do doente e a segurança da anestesia, seja ela regional ou geral.
 

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